terça-feira, 15 de setembro de 2009

"Desejamos uma feliz crise e um ótimo medo novo!"

Meu amigo do Akeldama, o Cris, me enviou também um artigo de sua autoria sobre os movimentos que vem ocorrendo na Grécia desde dezembro do ano passado. É um tanto longo, mas vale a pena a leitura. Para quem não faz a mínima idéia do que estou falando, ao ler o texto, entenderá.


"Desejamos uma feliz crise e um ótimo medo novo!"*
Um pós-escrito sobre as manifestações de dezembro em Atenas.

[publicado no “Anarchist Studies journal, vol.17, no.1, 2009”]


No dia 6 de dezembro um policial atirou e matou um menino de 15 anos em Exarchia, uma região de Atenas muito conhecida por suas raízes libertárias. Dentro de poucas horas a cidade toda estava sendo incendiada por hordas de manifestantes furiosos, cujos alvos era de significância anti-capitalista, anti-estatal e anti-comercial: bancos, revendas de carros, megalojas, delegacias, e até mesmo a gigantesca árvore de Natal na praça Syntagma. As manifestações continuaram por quase três dias, com o conflito entre os manifestantes e as forças de repressão tomando lugar nas ruas entre prédios em chamas e barricadas.

Muitos tentaram achar um paralelo entre essas manifestações e os eventos recentes nos subúrbios franceses ou até mesmo nos eventos de Maio de 68. Apesar de as causas e razões de tais surtos pareçam ser bastante similares, o caso de Atenas deve ser enxergado separadamente pela diferença em um ponto básico: Os que participaram nos ataques de Atenas não foram somente estudantes universitários, trabalhadores ou imigrantes. Eram todos dos grupos citados, mas ainda mais: alunos de escolas, burgueses de meia idade, pessoas com ou sem um background ou uma consciência política – todos fartos das altas taxas de desemprego, pobreza, assassinatos do Estado, repressão e violência; com os padrões de vida e com o isolamento urbano. Além disso, a persistência de muitos academicistas – veteranos dos conflitos de 68 – em comparar negativamente os dias atuais aos deles, e ao demonstrar uma posição elitista ante aos manifestantes, causou uma reação furiosa, expressada em slogans aparentemente apolíticos como “Foda-se o Maio de 68 – Lute Agora!” ou “Vocês destruíram nossas vidas, nós iremos destruir tudo!”

Que conclusões podem ser tiradas das manifestações e qual é o significado desta mobilização para o movimento radical Grego?

Primeiramente, há uma questão de definição. Revolução ou Revolta? Como colocou Max Stirner, revolução é um processo iconoclasta guiado pelo desejo de substituir velhos “ídolos” por outros novos. Em contraste, através da revolta, o “eu” das pessoas está tentando recuperar tudo o que lhe foi roubado. Deste ponto de vista esses dias incendiários de dezembro não foram uma revolução, mas pura revolta. Essa conclusão nos leva a um ponto de crítica duplo – que é a significância interna e externa desses dias para os radicais da Grécia.

O componente interno tem a ver com o movimento em si. Faz muito tempo desde que ativistas anarquistas, anti-autoritários e autônomos foram elogiados por “cidadãos de bem” e por uma porcentagem significante da opinião pública. Parece que as partes mais duras e radicais da vida política grega renovaram suas obrigações com a sociedade, a despeito da constante e negativa propaganda estatal. Somado a isso, todas as marchas, assembléias, e ações alternativas em geral que aconteceram em nome desta revolta geraram novas expectativas e responsabilidades. Faz tempo que facções radicais lidam com lutas anti-capitalistas e anti-estado, de formas mais consistentes e organizadas – além da violência.

O componente externo preocupa em relação à emancipação dos movimentos da custódia da esquerda institucionalizada. Comunistas ortodoxos assim como euro-comunistas e o restante da esquerda alternativa, mas institucionalizada, foram totalmente incapazes de tomar o controle desta extensa ação. Suas ferramentas “científicas” marxistas de análise histórica não puderam prever nem explicar o orgasmo revolucionário que atingiu Atenas (e muitas outras cidades gregas). Como resultado, o Partido Comunista Grego começou a falar sobre os provocadores que sabotaram os objetivos da classe trabalhadora, enquanto a Liga Radical de Esquerda está fazendo declarações ambíguas, com o propósito de ganhar o máximo possível de votos nas próximas eleições.

A revolta recente de Atenas tem muito a ensinar a cada movimento social radical europeu – e não apenas europeu – sobre ação direta, sem porta-vozes e representantes, e que irão constituir o primeiro passo contra o capitalismo e o Estado, sem esquecer a sua abolição. Afinal de contas, como disse Errico Malatesta: “Não alcançaremos a anarquia hoje, nem amanhã, nem em dez séculos. Caminhamos para a anarquia hoje, amanhã, sempre...”

Christos Iliopoulos




*O título em inglês seria "We Wish You a Merry Crisis and a Happy New Fear". No português, o trocadilho perde o sentido.

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