sexta-feira, 26 de março de 2010

Redenção

Porra, que vontade. De beber, cair a noite carreira adentro, ao longo da longa linha branca da lateral do campo. Vontade de sentar num bar, pedir uma boa cerveja e uma dose de whisky (duas pedras em um copo baixo!).

Vontade de curtir, fazer o que se deve e o que não se deve, para então deitar e passar uma noite angustiante, agoniante, deitado na cama, rolando de um lado para o outro, suando, pensando, chorando, pedindo a Deus numa agonia estúpida que me deixe são, “só essa vez!”, é o gemido estúpido e patético, não por ser dirigido a um Ente Superior, mas por não agüentar o rojão, por achar que pode. Agonia o acordar kafkiano nas horas seguintes, agonia a sensação de culpa, pecado e erro.

Isso, quando não se passa algum tempo ajoelhado perante o altar do imbecis, a privada. Bom ainda quando é em casa, você sabe quais bundas e pintos passaram por ali, mas se bem que, a essas alturas do porre, que diferença faz onde é, que privada é, pois oras, pra que dignidade? Afinal de contas, ainda é melhor abraçar privadas estranhas e indignas do que amigos que no momento de dificuldade somem, omitem-se, ou pior ainda, são indiferentes. E, mesmo tempos depois, passado os períodos ruins, não conseguem mais ser vistos como “amigos”. Talvez conhecidos, parceiros de algum churrasco inócuo, ou um chopinho sem vergonha e descompromissado, onde não há mais a cumplicidade muda e silenciosa de outrora. Mas também, a roda gira, e como diria o velho Gabo num grito desesperado: “os amigos são todos uns filhos da puta”, afinal de contas. Não fui eu o filho da puta primeiro?

E então, após algumas horas de agitação inconsciente, acorda-se. Se o nariz permite, sente-se o cheiro acre do suor e do álcool velho. Toma-se um banho, esfrega-se com o sabonete uma, duas, três vezes, com shampoo, com força, com agonia. Mas o cheiro persiste e fica, e junto com os olhos embaciados, o maxilar inquieto e os nós dos dedos rebeldes, denuncia a noitada. Noitada essa em que se pensa ser o rei, mas ela tem uma rainha, vestida de branco, que se estica languidamente, e desmanda os seus caprichos.

Cabe a cada um dar o xeque-mate.

Tempos depois, quando já recuperado e fora do circuito, quando batem essas vontades, o raciocínio é mais lógico (ou seria mais emocional, com um real amor-próprio? Há uma separação verdadeira entre razão e emoção?), e a visão é menos turva, e você se enxerga, e enxerga os demais; vê aqueles que te condenavam, que cochichavam seus defeitos e erros a alta voz em rodas de bar; e esses demais estão eles perdidos. Jogando e gastando suas forças criadoras, sua vontade, seu parco dinheiro, em noites intermináveis, longas, por vezes desnecessárias e vazias.
Porém, ao chegar o fim de cada dia, de uma nova vida e uma nova concepção de vivência, havemos de lembrar de Dostoiévski (o velho Fiódor!), e suas palavras finais em Crime e Castigo, quando encontramos Raskólnikov na prisão:

“Ele nem sequer sabia que a vida nova não lhe seria dada gratuitamente, mas que ainda teria de comprá-la caro, pagar por ela uma grande façanha futura...
Mas aqui começa já uma nova história, a história da gradual renovação de um homem, a história do seu trânsito progressivo dum mundo para outro, do seu contato com outra realidade nova, completamente ignorada até ali. Isto poderia constituir o tema duma nova narrativa... mas a nossa presente narrativa termina aqui.”

Se Dostoievski diz que terminou, quem sou eu para contradizer?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Galeano.

Ontem, antes de dormir, me coloquei a ler algumas coisas do Eduardo Galeano. Nas minhas viagens, pensei nesse pequeno texto que segue abaixo.

Entretanto, qual não foi minha surpresa agora ao abrir o blog e dar de cara com isso.

Segue o texto:


"O menino nascera cego, mas enxergava sempre através do pai. Certo dia, lá pelos 11,12 anos, o menino ouvira falar na escola sobre as cores e, curioso como toda criança, chegou em casa e perguntou:
- Pai, o que é amarelo?
O pai, vendo ali uma oportunidade de ensinar, disse ao filho:
- Vamos fazer um piquenique, lá vou lhe ensinar sobre as cores.
Animados, partiram os dois para um bosque nas cercanias da cidade onde moravam. Ao chegar em tal lugar, estenderam uma toalha no chão, em um lugar ensolarado.
- Filho, está sentindo o calor do sol?
- Sim pai!
- Isso é amarelo.
Logo depois, o pai levou o menino até um ribeirão manso que corria ali, e fez o menino entrar na água tépida, que corria preguiçosamente:
- Está sentindo a água? Isso é azul.
Quando saíram do ribeirão, os pés do menino tocaram a grama:
- Sente a grama debaixo dos seus pés filho? Isso é o verde.
Felizes e se sentindo bem, os dois sentaram novamente na toalha e começaram a comer.
- Pai?
- Sim filho?
- E o vermelho pai? Como é?
Após pensar por brevíssimos instantes, o pai responde:
- Dá a mão filho.
O pai pegou o polegar do filho e, com a faca, abriu um pequeno talho no dedo do garoto, que instintivamente puxou a mão para si e, com seus olhos vazios, mirou o pai de maneira inquisitiva:
- Pai! Por que isso?
- Está sentindo o sangue que está saindo de seu dedo?
- Sim pai – o menino mostrava sua tristeza e parecia realmente não entender nada.
- Então filho, isso é vermelho. É do que somos feitos, é a nossa vida. E muitas vezes, para senti-la plenamente, mais do que alegria, é necessário um pouco de dor."

terça-feira, 16 de março de 2010

Muito oportunamente...

... aproveito para dizer que tem postagem nova no Peplo!

:D

Em breve, terá aqui!